[Nymphomaniac, DIN/ALE/FRA/BEL/GB, 2013]
Drama - 118 min/123 min
VOLUME 1
Lars
von Trier psicologiza a vida sexual da protagonista com metáforas
inusitadas, ao mesmo tempo em que satiriza o próprio ato de narrar.
Estaria mesmo o dinamarquês tirando sarro das pessoas que o destratam
como alguns críticos interpretaram? O fato desse filme dividido em dois
por meras questões comerciais ter sido concebido após ele ser persona
non grata em Cannes 2011 pode dar uma pista. Uma pista falsa? Vá saber
as reais intenções do controverso cineasta, sempre disposto a criar
polêmicas vazias.
Esse primeiro volume é marcado pelas
divagações pontuais de Seligman, feito por Stellan Skarsgard, em cima da
história contada pela ninfomaníaca Joe de Charlotte Gainsbourg. Até os
peixes são usados para analisar o comportamento “agressivo” da moça. Mas
quem se destaca aqui é a estreante Stacy Martin, defendendo com sangue
no olho a jovem Joe. Isso quando Uma Thurman não brilha em uma
participação pequena, porém de tirar o fôlego. Como se trata de alguém
com uma frieza perturbadora na maior parte da narrativa, von Trier usa
Christian Slater como ponte afetiva para a personagem principal, e o
ator de filmes de ação surpreende numa atuação humana e desapegada.
Quem
espera por um filme digno do título, certamente irá frustrar-se com as
pouquíssimas, mas orgânicas, cenas realmente explícitas [se bem que há
uma versão sem cortes]. O interesse do cineasta é nesse provocador
estudo de personagem. Escrava de uma necessidade quase fora de controle,
Joe divide características com o Brandon de Michael Fassbender em
“Shame”. Ambos não estão em busca do prazer sexual propriamente dito, e
sim do alivio gerado pelo gozo. Alívio de si mesmos.
VOLUME 2
Revela-se
bem mais sombrio e pesado que a primeira parte, assim como
narrativamente mais indulgente. Mantendo o mesmo tom episódico em
capítulos, uma das marcas de sua filmografia, Lar von Trier toma alguns
caminhos que prejudicam tudo o que vinha aparentemente construindo. Logo
no começo, há uma revelação acerca de Seligman, o
ouvinte/terapeuta/crítico, que soa apenas esquemática dentro do contexto
da trama e, de certa forma, antecipa o desfecho. Stacy Martin sai de
cena nos primeiros 30 minutos e Charlotte Gainsbourg por fim assume seu
papel central, quando Joe desce fundo em suas próprias obsessões.
Disso
temos algumas cenas antológicas, para bem ou para mal, como os
africanos que ficam discutindo quem vai penetrar o quê enquanto a
protagonista se veste e sai do quarto sem ser notada. Ou então toda a
sequência sadomasoquista entre ela e o personagem de Jamie Bell. Creio
que duas podem incomodar mais crítica e público: a autorreferência a
“Anticristo”, de 2009, na qual von Trier deixar claro seu poder de
manipulação sobre o espectador, seu próprio espírito pretensioso e sua
autoindulgência na piada elaborada; e colocar Jean-Marc Barr, que
trabalhou com ele em “Europa”, de 1991, tendo uma ereção ao ouvir de Joe
um relato pedófilo, para em seguida ser agraciado com um “boquete
condescendente”.
E o que dizer da relação lésbica que
parece “resolver”, pelo menos em certo nível, a ninfomania? A única
coisa que eu ainda não entendi foi o motivo de Shia LaBeouf ter sido
trocado por outro ator para o personagem parecer mais velho se a própria
Charlotte Gainsbourg tem cenas com ele, LaBeouf, antes e permanece até o
final. Final que, como já mencionei, possui a piada cruel antecipada no
início desse volume.
O que pode ser sofisticado para
alguns também pode não passar de provocação vazia para outros, como o
“movimento” da vagina se transformando num olho abrindo, ou o discurso
sobre Bach, ou seja lá qual metáfora Lars von Trier usa para dizer que
um gênio está ali atrás da câmera. Encerrando a Trilogia da Depressão,
composta também por “Anticristo” e “Melancolia” [2011], continua sendo
um estudo inusitadíssimo da sexualidade feminina, mas apenas da
personagem em questão.
Monteiro Júnior
Péssimo * Desastroso * ½ Fraco * * Assistível * * ½ Sólido * * * Acima da média * * * ½ Ótimo * * * * Quase lá * * * * ½ Excelente * * * * *
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